Fechamento da Paulista aos domingos torna-se definitivo
JULIANA DIÓGENES E EDISON VEIGA – O ESTADO DE S. PAULO
25 Junho 2016 | 19h 06 Atualizado: 26 Junho 2016 | 20h 02
Haddad criou comitê que ainda será responsável por consolidar a abertura de pelo menos uma via nas 32 subprefeituras
Prestes a completar um ano da abertura da ciclovia da Avenida Paulista e dos primeiros testes de fechamento da via para carros, o prefeito de São Paulo, Fernando Haddad (PT), tornou o Programa Ruas Abertas permanente. Temendo recuos de futuras administrações, neste sábado, 25, ele regulamentou no Diário Oficial da Cidade a proposta via decreto e criou um comitê de monitoramento com organizações da sociedade civil. O fechamento da via é apoiado por diversos setores, mas ainda é criticado por moradores.
Até o fim do ano, esse comitê ainda será responsável por consolidar a abertura de pelo menos um viário nas 32 subprefeituras. Paralelamente, a base do prefeito na Câmara Municipal se articula para aprovar, nesta semana, um projeto de lei que oficializa o Ruas Abertas.
O primeiro teste de fechamento da Paulista para carros ocorreu em 28 de junho de 2015, data de inauguração da ciclovia local. Mas a decisão pela abertura todos os domingos, das 10 às 17 horas, só ocorreu em outubro. A definição se deu após quatro meses de questionamentos do Ministério Público e de setores da sociedade civil, preocupados com o impacto do fechamento para hospitais, equipamentos culturais, hotéis e comércio na via e no entorno.
Ao Estado, Haddad disse que compreende a resistência, mas defendeu os testes, que teriam servido de adaptação. Hipóteses têm de ser testadas na prática. É muito difícil reconhecer mérito a priori sem período de experimentação. O difícil é tomar a decisão política de tentar, afirmou. Segundo o prefeito, a preocupação é com o desmanche da proposta. São Paulo é conhecida pela descontinuidade de políticas públicas.
Na Câmara, o vereador Nabil Bonduki (PT) apresentou substitutivo a um projeto de lei já existente, instituindo o fechamento da Paulista e de outras vias como política pública. De forma que não retroceda em outras administrações, disse.
PAULISTANOS APROVEITAM A AVENIDA PAULISTA FECHADA
Fechada para os carros, ciclistas e pedestres aproveitam a avenida Paulista, em São Paulo. Foto: Hélvio Romero / Estadão
Guilherme Coelho, coordenador de Mobilização da Minha Sampa, que participa do Comitê de Acompanhamento e Fortalecimento do
Ruas Abertas, avalia que o bloqueio requer ajustes, como melhoria da sinalização em ruas paralelas para motoristas e informações sobre trocas de linhas de ônibus.
Por que reclamam menos da ciclovia (na Paulista)? Porque tem sinalizações móveis, como faixas, e fixas, como placas de velocidade e faixa de pedestres. É importante avisar previamente porque senão ganha inimigos, destacou. Coelho cobrou uma contagem oficial do número de pessoas na avenida no domingo. Ele estima que, em dias de sol, chega a cerca de 80 mil.
Avaliação. Um ano depois, os problemas mais graves parecem ter sido resolvidos, como a preocupação com o acesso às cerca de 40 instituições médicas da região. É o caso do Hospital Santa Catarina, cujo acesso se dá justamente pela Paulista. Em nota, diz que não registra nenhum problema aos domingos. Desde que a Prefeitura liberou a faixa de ônibus exclusiva para o acesso à instituição, os pacientes têm conseguido chegar ao hospital e ao prontoatendimento com rapidez e segurança, aponta. A Associação Nacional de Hospitais Privados concorda. Os hospitais já se adaptaram a essa realidade, diz o presidente do conselho da entidade, Francisco Balestrin.
É a posição também dos hotéis, que no início temiam que a interdição da via se tornasse um problema para os hóspedes, principalmente quando estão carregando malas. Como tudo que vira rotina, houve uma adaptação. E hoje já observamos que muitos hóspedes gostam de caminhar pela Paulista aos domingos, diz o presidente da Associação Brasileira da Indústria de Hotéis de São Paulo, Bruno Omori. A Associação Comercial de São Paulo também se mostrou favorável. É uma medida bem intencionada. Não vejo nada que possa contrariar essa disposição de dar direito ao pedestre, no domingo, de usufruir a via, diz o presidente da entidade, Alencar Burti.
Moradores, entretanto, são contra. Em nossas reuniões, os participantes têm sido frontalmente contra o fechamento da Paulista, diz a advogada Célia Marcondes, presidente da Sociedade dos Moradores de Cerqueira César. O programa obstaculariza uma via que é a artéria mais importante da cidade. Chega a ser devastador: o morador da Paulista observa da janela aquele contingente de policiais que poderiam estar cuidando da segurança da cidade e está deslocado para atender à festinha na porta da casa deles.
Ela diz que, aos domingos, a ciclovia deixa de fazer sentido, já que a rua toda vira uma ciclofesta. E acrescenta que o projeto de cadastrar moradores para que estes possam entrar e sair dos prédios não foi implementado por resistência dos próprios moradores. E então eles não conseguem entrar e sair das próprias casas aos domingos.
Arquitetos se dividem e apontam necessidade de ajustes na proposta
Arquitetos e urbanistas ouvidos pelo Estado não chegam a um consenso. Quando vamos lá observamos que é um sucesso, sem dúvida. Mas esse esforço todo poderia ser feito no centro da cidade, em vez da Paulista. Lá não haveria impacto no trânsito e ajudaria a melhorar uma região desvalorizada, afirma Lucio Gomes Machado, professor da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo (FAUUSP).
Benedito Lima de Toledo, também professor da FAUUSP, preocupase sobretudo com as questões de zeladoria e fiscalização. O problema não é fechar a Paulista aos carros, mas sim o mau uso que tem sido feito dela, diz. Sendo um marco para a cidade, ela precisa conservar sua dignidade: o que temos observado é a Paulista sendo transformada em uma 25 de Março todos os domingos, com camelôs e decadência.
Para o arquiteto e urbanista Henrique de Carvalho, do ateliê Tanta, a Paulista fechada supre uma demanda enorme e não atendida por espaços livres abertos, que deveria ser atendida por uma rede bem maior de parques cuidados adequadamente, como é o Ibirapuera. A Paulista com carros já era uma avenida viva aos domingos, comenta. Fechála aos domingos tem seu lado bom, pois a cidade já havia demonstrado essa vocação com a ocupação do Minhocão, que é um lugar bem mais inóspito. Acredito que seja uma medida de baixo custo e bom resultado naquele setor da cidade.
Letícia Pazian, do mesmo escritório, defende o treinamento de equipes para viabilizar o mais prontamente o acesso motorizado de casos emergenciais. Isso garantiria a segurança dos pedestres.
Encontro. Para o arquiteto Caio Dotto, do escritório Mindlin Loeb + Dotto Arquitetura, fechar a Avenida Paulista para carros, bem como outras vias, é imprescindível ação no sentido de reclamarmos os espaços públicos de volta para o cidadão. Esse tipo de experiência mostranos como podemos promover o encontro, como podemos promover a troca entre os cidadãos, afinal essa é a real vocação das cidades. Elas são a rede social primária.