Dalmário Cavalcante e a dedicação como trunfo no ramo hoteleiro
Francisco Dalmário Cavalcante, casado, 65 anos, natural do Ceará e morador de Goiânia (GO) desde o ano passado por conta do ofício de sua esposa – profissional da decoração -, pai de dois filhos e avô. Graduado em Administração de Empresas e formado empiricamente no ramo da construção civil. Voz grave, barba feita, cabelos bem aparados e traje social sempre que visto em público. Diretor executivo do Pergamon Hotel – empreendimento hoteleiro instalado em São Paulo -, passeia pelo lugar como quem caminha da sala para o quarto em sua própria casa. Um tanto inquieto, mantém os olhos atentos aos movimentos ao seu redor; poucos hóspedes já vistos o cruzaram pelos corredores ou cadeiras sem receber seu aceno – às vezes com a cabeça, outras com as mãos.
Atualmente hoteleiro – e por escolha -, o executivo, que passa as semanas entre viagens e compromissos, ora representando o hotel, ora representando as ABIHs Nacional e de São Paulo, onde participa como conselheiro e vice-presidente, respectivamente, diz-se satisfeito com o mercado no qual está inserido e revela sua tática para permanecer satisfeito e empenhado no trabalho, dedicação.
Cavalcante está no grupo que administra o hotel há 47 anos. Contudo conta sua trajetória na corporação com a precisão de um recém-contratado e embaralha-se no anseio de falar sobre o nicho que o conquistou, a hotelaria.
Falando sobre sua carreira e opiniões o executivo recebeu a equipe do Hôtelier News e contou o que viu e aprendeu na sua mais recente etapa profissional.
É quarta-feira e São Paulo vive dias não-tranquilos, com protestos que param avenidas diariamente. À revelia dessa realidade, o executivo – que prefere não ser chamado de senhor e apenas de Dalmário -, se mostra tranquilo, manso e sem grandes preocupações aparentes.
O homem que nos recebe diz ser, em essência, o mesmo que começou a carreira como apontador de obras, em 1966, em Goiânia. Ele conta que o trabalho apareceu em sua vida por uma necessidade de sobrevivência e que a vaga surgiu numa hora oportuna, por meio de uma empresa interessante e na qual trabalha até hoje, “atualmente a empresa atende por Construtora Santa Cecília, após algumas mudanças de nome”, diz.
“Minha entrada nesta primeira função se deu por um convite, quando eu ainda era garoto. À época, este início foi por necessidade, quando eu ainda era estudante. Tinha que começar a vida e nesta momento precisava de um emprego para poder me dar sustentação. A partir daí fui galgando alguns postos dentro da empresa, adquirindo confiança e demonstrando interesse”, resume.
Iniciado, o trabalhador cursou Administração de Empresas e paralelamente seguiu trabalhando na inspeção de obras civis passando por períodos em diferentes capitais brasileiras, até chegar em São Paulo. ”Comecei minha vida profissional em Goiânia, depois passei por Brasília, fui para Cuiabá. Aí em 1980 vim para São Paulo, município onde permaneço até hoje”, diz.
Na capital paulista, Cavalcante acompanhou o processo de mudanças do hotel hoje chamado de Pergamon. “Este prédio já funcionava como hotel, porém tinha o nome de Firenze e pertencia a um grupo argentino que estava investindo no Brasil. O investimento não teve sucesso, este grupo ficou devendo alguns financiamentos junto a entidades públicas e negociou o hotel com a empresa que trabalho”, explica.
Neste momento, o início da transição aconteceu. “Acompanhei toda a reforma no hotel. Aí, quando terminamos essa reformulação, me deram duas opções. Ou eu tocava o hotel aqui ou ia para outras obras permanecendo na construção. Como a matriz era no Rio de Janeiro, teria que voltar para lá e optei ficar em São Paulo. Já estava acostumado com a cidade, fiz a escolha e te confesso que nunca me arrependi”, lembra.
Batizado com a ajuda de uma pesquisadora, que contou a história do museu turco destruído e reconstruído com mesmo o mesmo nome – Pergamon – anos depois em Berlim (Alemanha), o empreendimento paulistano foi reaberto em 26 de outubro de 1999, já sob a supervisão de Dalmário.
“Repare que da construção civil para a hotelaria existem muitas mudanças. Na transição você começa a se deparar com termos e expressões que nunca havia ouvido, há uma linguagem própria e muito diferente para os setores de hotelaria e turismo. O segredo nesta etapa foi aumentar o esforço e aprender”, aponta.
Admirador confesso das demonstrações de força de vontade, o diretor relata suas principais virtudes ao longo de sua carreira suas opiniões sobre as principais características de qualquer trabalhador que mira o sucesso, na hotelaria ou em qualquer mercado. “Tudo, não só na minha carreira. Mas também na vida, depende um pouco de sorte, um pouco de vontade e acima de tudo, gostar do que faz”, antecipa. ” Toda minha trajetória profissional foi caracterizada pela vontade. Tanto é que a construção civil para mim hoje já é passado. Atualmente vivo o hotel, vivo do hotel. Para mim a hotelaria é encarada de forma muito importante”, afirma.
Já com mais de uma década de mercado, considera-se inteirado com o segmento e comenta tendências e transformações nos hotéis de hoje. “Minha observação sobre a hotelaria começou ainda em meados dos anos 1990, contudo coisas que eram utilizadas naquela época não se aplicam mais. O mercado mudou e os jovens foram responsáveis por uma virada que exige a adaptação de profissionais como eu, que tem mais tempo de trabalho”, pondera.
Administrando diariamente uma unidade com 66 funcionários e especializada em atender o público corporativo, Cavalcante já criou convicções sem as quais acredita não ser possível praticar o bem atender. “A hotelaria tem por obrigação conhecer seu cliente, saber porque ele está lá. Ouvir e atender as expectativas e pedidos dos hóspedes. É um mercado que tem que oferecer bom tratamento. Agir assim faz o cliente sentir-se valorizado e, consequentemente, importante. Isso é geral e quem não trabalhar com esta consciência e com esta convicção está liquidado”, decreta.
Gerindo a seu modo, também cultiva algumas manias e rituais para tentar aprender e prender a clientela do lugar. Mesmo começando a circular pelo hotel às 8h, garante que só começa a trabalhar de fato às 10h. Antes, dedica seu tempo a conhecer quem está hospedado no lugar.
Forte presença do público feminino
Segundo o próprio diretor, um aspecto que chama a atenção no Pergamon é a presença cativa do público feminino nos quartos e corredores.
“Outro ponto inusitado é que temos hoje um alto índice de participação do público feminino no hotel. Normalmente nossa ocupação tem participação de até 57% de público feminino. E isso tem uma razão de ser. Nossa atenção no relacionamento que é percebida por elas e realmente, temos esta atenção especial para fidelizar a clientela e fazer com que sintam-se seguros. Tenho tido esta sorte e sei que não é pela minha cara, pois não estou com esta bola toda”, brinca.
Sobre a imagem que o hotel construiu no mercado local, Dalmário vê o empreendimento como consolidado e conhecido no Brasil todo. Apesar da competição com grandes empreendimentos, vinculados à redes internacionais e que estão localizados na mesma região.
Independente x Redes
Questionado sobre sua opinião a respeito de um mercado que coloca no mesmo páreo hotéis familiares e independentes e hotéis geridos por grandes cadeias, o executivo considera esta realidade uma competição desproporcional a favor das redes.
“Vejo a diferença entre hotéis independentes e de rede como uma concorrência desleal. O empreendimento independente é o hotel de um patrão só. O de rede, normalmente, vem de um conjunto de donos. Essa diferença habitualmente gera desconfortos na hora em que se acertam as contas. Até mesmo na hora de fazer uma campanha publicitária este gasto é pulverizado para a rede e centralizado no caso da independência”, argumenta.
Contestado pela reportagem sobre o lucro do independente, que também acaba indo para um destino apenas, o diretor rebate: “Sim. Mas o custo é muito maior, é mais difícil de negociar. Um exemplo é a mão de obra, um independente tem que pagar um salário mais interessante para o funcionário, se não este vai embora para as redes, que oferecem mais estrutura e mais opções de crescimento, ao passo que uma empresa pequena oferece uma escala muito curta para crescimento. Custo operacional é a diferença”.
Mudanças no mercado, de ontem para hoje
Quase no final da entrevista, o diretor executivo falou sobre sua impressão ao mercado que encontrou quando entrou no ramo e o mercado como está hoje.
“Quando abrimos estávamos vivendo aquele momento de construções para hotéis de longa permanência, de flats. São Paulo, por exemplo, foi tomada por novos empreendimentos. Após isso, de 2000 a 2006, a hotelaria viveu seu momento mais crítico, com um período de baixa ocupação; neste momento muita gente pagou para sobreviver, inclusive o Pergamon, por alguns meses. Logo a partir de 2007 começou uma recuperação, em 2008 teve o início da crise mundial mas que não nos afetou”, conta.
“Nos anos seguintes houve crescimento e do ano passado para cá tudo mudou mais uma vez, degringolando completamente. Há uma crise escondida que fez com que as empresas, que são nosso público principal, cortem gastos e reduzam custos de treinamentos e a quantidade de viagem dos seus executivos. Então hoje a gente tem uma dificuldade muito maior para fazer com que nossa ocupação média tenha sequer atingido os 60%”, complementa.
Apesar da situação não tão confortável, o executivo aponta sua estratégia para manter o hotel ocupado e colher bons resultados: “Não atingido os níveis médios apontados pela cidade o que procuramos fazer é manter uma diária média boa para a empresa dona do hotel e atrativa para o hóspede. Assim conseguimos manter o hotel sempre com as despesas equilibradas e com cara de novo, realizando reformas periódicas. Hoje pelo que recebemos e atendemos, pelo menos 40% da ocupação do hotel é destinada somente a acerto de contas e com despesas fixas”, revela.